Uma das mais importantes questões para a Filosofia do Direito diz respeito ao processo que define uma norma jurídica como sendo válida, haja vista que o fundamento de validade do Direito baseia-se na existência de uma regra de reconhecimento que estabelece critérios segundo os quais uma sociedade considera válida a existência de suas próprias leis e sem a qual não seria possível a existência de ordenamentos jurídicos.
Nesse sentido, a ideia da existência de lacuna legal é um desafio ao conceito de completude do ordenamento jurídico. Segundo o jusfilósofo italiano Norberto Bobbio, no livro Teoria do Ordenamento Jurídico, pode-se completar ou integrar as lacunas existentes no Direito por intermédio de dois métodos, a saber: heterointegração e autointegração. O primeiro método ocorre quando nenhuma norma no ordenamento jurídico é suficiente para resolver a lacuna e, por isso, será necessário recorrer a um outro ordenamento jurídico. Já o segundo se dá quando ocorre o uso normas do próprio ordenamento jurídico, na mesma fonte dominante, sem recorrência a outros.
Lacuna legal: trata a respeito da inexistência de dispositivo aplicável ao caso concreto ou de um critério para que se saiba qual norma aplicar.
– A auto-integração realizada através do mesmo ordenamento e mesma fonte dominante.
– A heterointegração é operada através de recurso a ordenamentos diversos, no qual em caso de lacuna do Direito positivo deve-se recorrer ao Direito natural, que é considerado um sistema jurídico perfeito e que é fonte inspiradora do Direito positivo.
Conforme Rudolf von Ihering, em seu texto “A Luta pelo Direito”: “O direito não é uma simples luta, é uma força viva”, ou seja, as leis se baseiam na ideia de luta social. Diante disso, pode-se concluir que o direito é um trabalho constante, resultado de uma evolução da sociedade e dos confrontos nos quais participam o Poder Público e toda a população, isto é, qualquer pessoa que se veja na contingência de ter de afirmar seu direito.
Cabe destacar que, para atuar livre de intromissões/ingerências de outros agentes, é conferida ao advogado a prerrogativa da independência técnica, não havendo qualquer relação de hierarquia ou subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público (artigo 6º, EAOAB). Portanto, não posso falar que o juiz encontra-se em uma posição de superioridade frente ao advogado.
A filosofia como reflexão teórica entra em contato com o direito para aprofundar as bases teóricas da justiça, partindo do princípio que o direito é fundamento do bem-estar social. A filosofia reflete sobre as bases do direito e também sobre a finalidade.
Nessa medida, a filosofia do direito seria o estudo científico do Direito, uma tentativa de compreender e descrever o fenômeno jurídico, assim como o estudo científico da Física é uma tentativa de compreender e descrever o fenômeno da gravitação universal. A primeira grande tarefa atribuída à Filosofia do Direito é a de esclarecer a noção do Direito.
O Direito norteia a conduta social, ocupando-se de questões polêmicas para fins de reger os conflitos sociais que exigem reflexão e juízo de valor.
O Direito se distingue dos demais instrumentos de controle social sob vários aspectos, uma vez que este apresenta a atributividade, cuja prerrogativa é conferir exigibilidade das leis. No que tange a moral, por sua vez, a situação é bem diferente. Veja bem: quem desrespeita a norma moral ou a uma regra de convivência social não pode ser obrigado a promover reparações.
A experiência moral e a norma moral são anteriores ao Direito, esta não é cogente, pois não pode dispor do poder punitivo de uma autoridade pública para fazer valer seus mandamentos, recorrendo-se normalmente a sanções diferenciadas das jurídicas (consciência, rejeição social, vergonha …). Além disso, a norma moral não é sancionada nem promulgada.
Direito X Moral
O Direito estabelece quais condutas são tipificadas como crime e se porventura você praticar alguma dessas você será punido em conformidade com a lei. A moral social, por sua vez, refere-se as crenças, julgamentos de uma sociedade. Essa moral é a que fala que a garota que beija na boca de vários em uma mesma noite é “piriguete”. Eu te pergunto: tem uma lei incriminando a conduta da garota? Desde quando ser piriguete é algo ruim? (pode beijar muito na boca).
Enfim, a moral social não enseja punições pelo ente público (ao contrário do que acontece quando evidenciado a prática de um crime), mas pode desencadear sanções diferenciadas como vergonha e rejeição social.
Dito isso, vamos estudar as principais correntes de pensamento da filosofia do direito.
Entre o direito positivo e o direito natural há diferenças, pois enquanto o direito positivo tem sua origem no Estado, o direito natural emana da natureza espiritual do homem.
Em sua dimensão positiva, Direito é o conjunto de normas de conduta social, imposto coercitivamente pelo Estado, para a realização da segurança, segundo os princípios de justiça. Assim definido, o Direito reúne três elementos primordiais: fato, valor e norma.
O Direito positivo será, portanto, um ordenamento jurídico específico, numa certa época e local. Ao passo que o Direito Natural é eterno, absoluto e imutável, sendo constituído por princípios superiores.
A diferença entre direito natural e direito positivo é que o direito natural independe do Estado ou de leis. Por isso, é considerado autônomo. O direito positivo, por outro lado, depende de uma manifestação de vontade, seja da sociedade ou de autoridades.
A Constituição Federal é um exemplo de direito positivo, pois assim como as outras leis e códigos escritos, serve como disciplina para o ordenamento de uma sociedade.
No âmbito jurídico, o positivismo é visto como o direito imposto pela vontade do ser humano, ou seja, direito posto, direito positivo. O direito é exercido de forma objetiva, sendo baseado em fatos reais e científicos.
Hans Kelsen: segundo Kelsen cabe estudar somente seu próprio objeto, afastando tudo que se possa manifestar como não Direito. Para o filósofo, o conhecimento jurídico deve ser neutro, não cabe ao jurista fazer julgamentos ou avaliações sobre as normas. Desse modo, de acordo com a teoria dos círculos independentes, moral e direito não se coincidem, surgindo, assim, a sobreposição da norma.
Em Kelsen ocorre a rejeição das doutrinas do direito natural, de forma que reconhecia-se como direito apenas o que estava posto na realidade, positivado. Para isso estabelece um princípio metodológico, o princípio da pureza, com o qual pretende reduzir a complexidade do objeto do direito ao afastar da ciência jurídica as ingerências intrusas e perturbadoras, de ordem epistemológica (sociologia, antropologia etc.) e axiológica (moral, ética).
Para Kelsen o objeto da ciência jurídica consiste em normas jurídicas, e a tarefa do jurista consiste em descrever esse objeto mediante proposições. Portanto, o raciocínio jurídico não deve versar sobre o que é virtuoso ou vicioso, justo ou injusto, conveniente ou inconveniente, mas sim, sobre o lícito e o ilícito, o válido e o inválido, o eficaz e o ineficaz.
Kelsen afirmou: “Isso pressupõe que a norma de justiça e a norma do direito positivo sejam consideradas como simultaneamente válidas. Tal, porém, não é possível, se as duas normas estão em contradição, quer dizer, entram em conflito uma com a outra. Nesse caso apenas uma pode ser considerada como válida.” Diante disso, conforme o referido filósofo, a validade de uma norma do direito positivo é independente da validade de uma norma de justiça.
As leis que compõem o jusnaturalismo são tidas como imutáveis, universais, atemporais e invioláveis, pois estão presentes na natureza do ser humano. Desse modo, o jusnaturalismo é o Direito Natural, ou seja, todos os princípios, normas e direitos que se têm como ideia universal e imutável de justiça e independente da vontade humana. De acordo com a Teoria do Jusnaturalismo, o direito é algo natural e anterior ao ser humano, devendo seguir sempre aquilo que condiz aos valores da humanidade (direito à vida, à liberdade, à dignidade, etc) e ao ideal de justiça.
A primeira aparição do Jusnaturalimo ocorre na Grécia antiga, na figura de Antígona, na clássica tragédia de Sófocles, em que ela se recusa a obedecer as ordens do rei, pois considera que pelo fato de serem ordens políticas não poderiam se sobrepor às ordens eternas dos deuses, fazendo nascer, desta forma, o conceito de “justo por natureza” e “justo por lei”.
O Direito Natural clássico dos gregos compreende uma concepção essencialista ou substancialista do Direito Natural: a natureza contém em si a sua própria lei, fonte da ordem, em que se processam os movimentos dos corpos, ou em que se articulam os seus elementos constitutivos essenciais. A ordem da natureza é permanente, constante e imutável.
Portanto, cabe ressaltar que os gregos fundamentavam os direitos naturais em preceitos superiores: imutáveis, estáveis e permanentes; cuja autoridade se originava da natureza, ou seja, do cosmos, e não da vontade humana. Porquanto, cabe analisar a doutrina jusnaturalista clássica.
A corrente de pensamento do Jusnaturalismo clássico, por sua vez, possuía um caráter renovador, no sentido de romper com os paradigmas da filosofia escolástica teocrática do medieval. Desse modo, para os gregos o direito natural é fundado na própria natureza ordenada (cosmológica), para os filósofos medievais o jusnaturalismo tem sua principal fonte na razão divina (concepção teológica) e para os iluministas o direito seria fruto da própria razão humana.
Nesse processo evolutivo há um enaltecimento da figura do homem, no sentido de que este recupera sua liberdade de pensamento e adquire autonomia e individualismo.
A este Estado, onde não há Estado propriamente, isto é, não há nenhuma lei ratificada, somente as leis naturais, dá se o nome de estado de natureza. Nesse sentido, cabe a realização de um pacto para se alcançar um estado de bem estar social, ou seja, busca-se um Estado Civil, onde todos teriam seus direitos naturais garantidos através do governo de um Soberano.
Jean Jacques Rousseau: para esse pensador, as desigualdades naturais são aceitáveis, por decorrerem da natureza humana. Já as desigualdades morais não o são, uma vez que consistem “nos vários privilégios de que alguns gozam em prejuízo de outros, como serem mais ricos, mais poderosos e homenageados do que estes, ou ainda, por fazerem-se obedecer por eles.”
Para Rousseau a constituição da sociedade civil através do contrato social é o que legitima o Estado e as leis e responde, assim, à questão: por que se deve obedecer às leis? A sociedade civil fundada através do contrato social. Além disso, representa a escolha pela liberdade civil em desfavor da liberdade natural do estado de natureza. Segundo Rousseau, o pacto só fazia sentido se caminhasse em direção à uma democracia direta e a liberdade civil, onde o indivíduo exerceria o próprio poder soberano, ou seja, os indivíduos criariam as próprias leis e as obedecem, sendo este súdito e soberano do Estado (somente aos associados compete regulamentar as condições da sociedade – crítica democracia representativa de Locke), onde o poder fundamental seria o legislativo.
Rousseau propõe um contrato social através do racionalismo, utilizando as leis naturais e a essência humana, de maneira que tal contrato pudesse ser realizado mediante uma transformação política e educacional, e esta transformação seria feita utilizando-se o método da desnaturação. O método aludido, se embasa, fundamentalmente, na concepção de educação, em outras palavras: haveria uma modificação na consciência do homem de modo a torná-lo um cidadão consciente e racional, capaz de ver a equidade e o ‘amor de si’, este, seria o homem natural ‘reformado’, ou seja, o cidadão.
Rousseau afirmou o seguinte: “Concebo, na espécie humana, dois tipos de desigualdade: uma que chamo de natural ou física, por ser estabelecida pela natureza e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito e da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens.” Segundo esse filósofo, as desigualdades naturais são aceitáveis, mas as desigualdades morais não o são, pois consistem em privilégios de uns sobre os outros. Nessa medida, Rosseau prima pela consagração da liberdade, igualdade e a justiça dentro do Estado, mesmo contra a vontade da maioria.
Hannah Arendt: Afirma sobre a importância de o homem pertencer à comunidade em que nasceu, a ter o direito de nacionalidade e, igualmente, todos os demais direitos.
Arendt afirmou o seguinte: “Algo mais fundamental do que a liberdade e a justiça, que são os direitos dos cidadãos, está em jogo quando deixa de ser natural que um homem pertença à comunidade em que nasceu…” Essa afirmação, que remete à época da II Guerra Mundial, também pode ser aplicada ao contexto atual no que se refere aos refugiados, e afirma que o mais fundamental de todos os direitos humanos é o direito de ter direitos, o que não ocorre com os apátridas. Diante disso, o homem perde essa qualidade considerada, por ela essencial, deixar de pertencer a uma comunidade organizada, disposta e capaz de garantir quaisquer direitos.