DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Trata-se de ramo autônomo do direito, com sede constitucional e legislação própria, cuja normativa encontra-se principalmente disposta no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/90) e na Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE – Lei nº 12.594/12), além de tratados internacionais.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA
▪ Fase da Absoluta Indiferença: não havia qualquer preocupação estatal ou social em tratar de direitos e deveres de crianças e adolescentes. Portanto, inexistia normativa jurídica nesse sentido. Competia ao pai, como chefe da família, o controle sobre a vida dos filhos.
▪ Fase da Mera Imputação Criminal, Direito Penal Indiferenciado ou Direito Penal do Menor: crianças e adolescentes que cometiam infrações penais eram tratadas como infratores tal qual os adultos. As Ordenações Filipinas, por exemplo, estabeleciam imputabilidade penal desde os 7 anos de idade. Na mesma linha, seguiram o Código Penal do Império (1830), o Código Penal de 1890 e o Código Mello Mattos (1927).
▪ Fase da Doutrina da Situação Irregular: instituída pelo Código de Menores de 1979 e fundada no binômio carência/delinquência, criminalizando a infância pobre. A criança e o adolescente não eram tratados como sujeitos de direitos, mas como objetos de tutela pelo Estado, e, quando se encontravam em situação irregular (carentes, abandonados ou que cometeram atos infracionais), recebiam o rótulo estigmatizante de “menor”. O Juiz de Menores detinha amplos poderes para adotar as medidas que entendesse necessárias para proteção e vigilância do menor, ainda que suprimisse algumas das suas garantias. A título de exemplo, o Juiz de Menores podia privar o infante do seu direito à liberdade sem um devido processo legal e editar atos de caráter geral, como a imposição de toque de recolher.
▪ Fase da Doutrina da Proteção Integral (atual): surgiu em resposta a doutrina da situação irregular, reconhecendo crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e conferindo absoluta prioridade no atendimento dos direitos básicos dessas pessoas, em razão da sua peculiar qualidade de pessoas em desenvolvimento (ex.: primazia em receber proteção e socorro em caso de afogamento envolvendo também adultos). Tem por origem a Declaração de Direitos da Criança de 1959, sendo consagrada de forma mais direta na Convenção Sobre os Direitos da Criança de 1989. A doutrina da proteção integral foi expressamente prevista no artigo 227 da CF/88 e inspirou toda a normativa contida no ECA. Houve uma redução nos poderes dos juízes e a judicialização/institucionalização passou a ser excepcional. Atualmente, não se deve mais utilizar a expressão “menor”.
Artigo 227, CF: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
CONCEITO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE
O ECA adotou critério exclusivamente etário, figurando como criança a pessoa de até 12 anos de idade incompletos (0 a 11 anos) e, como adolescente, a pessoa que possui de 12 a 18 anos incompletos de idade (12 a 17 anos). A Lei nº13.257/16 estabelece que a primeira infância abrange de 0 a 6 anos. Atenção: a Convenção Sobre os Direitos da Criança da ONU (1989), ratificada pelo Brasil em 1990, não diferencia a criança do adolescente, tratando como criança toda pessoa com menos de 18 anos de idade.
Excepcionalmente, o ECA se aplica a pessoas com mais de 18 anos até os 21 anos. Exemplo: Roger e Angelina ajuizam ação de adoção, desejando constituir vínculo de filiação com Marcus, de 17 anos, que já estava sob a guarda do casal. Se no curso do processo Marcus vier a completar 18 anos, não haverá alteração na competência da Vara da Infância e Juventude para apreciar o pedido, nem se deixará de aplicar o ECA. O mesmo ocorre em casos de imposição de medida socioeducativa em razão do cometimento de ato infracional por pessoa com menos de 18 anos, que vem a atingir a maioridade no curso do cumprimento da medida ou mesmo antes da sua aplicação.
PRINCÍPIOS
▪ Princípio da Proteção Integral: constante nos artigos 227, da CF, e 1º e 3º do ECA. O Estado deixa de se preocupar exclusivamente com crianças e adolescentes em situação irregular, para reconhecer todas as crianças e adolescentes, sem discriminação, como sujeitos dos mesmos direitos assegurados aos adultos, mas merecedores de uma tutela adicional e prioritária por parte do Estado, da família e da sociedade.
▪ Princípio do Superior ou Melhor Interesse da Criança: orientador da atividade legislativa, executiva e jurisdicional, no sentido de estabelecer preferência no atendimento dos direitos das crianças e adolescentes. Nesse sentido, o STJ admitiu a adoção de uma criança por seus avós, a despeito da proibição contida no artigo 42, §1º, do ECA e, em outro caso, autorizou a transfusão de sangue para salvar a vida de uma criança, apesar da manifestação contrária dos pais por motivos religiosos. Também prestigiando esse princípio foi promulgada a Lei da Palmada (Lei nº 7.672/10).
▪ Princípio da Prioridade Absoluta: constante no artigo 227 da CF, como garantia da efetivação prioritária dos direitos fundamentais. Segundo o artigo 4º do ECA, abarca: (a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; (b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; (c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; (d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
▪ Princípio da Municipalização: para concretizar a doutrina da proteção integral, uma das medidas adotadas pelo Poder Público foi estebelecer uma política assistencial, fundamentada na CF (artigo 203, I e II). Embora todos os entes federativos devam atuar concorrentemente nessa seara, a execução dos programas assistenciais ficam a cargo dos Estados e Municípios. A lógica é que quanto mais próximo o atendimento público estiver da população favorecida, melhores são os resultados obtidos. Por isso, o ECA, em seu artigo 88, I, estabeleceu a municipalização como diretriz da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente.
DIREITOS FUNDAMENTAIS
▪ Direito à vida e à saúde: o direito à vida assegura uma existência digna, em que são garantidos os direitos básicos que compõe o mínimo existencial (saúde, educação alimentação, etc). Além disso, compreende proteção à integridade física e psíquica do indivíduo, vedando os maus-tratos, a tortura e a aplicação de punições degradantes e cruéis. Já o direito à saúde, embora compreendido no direito a uma vida digna, tem proteção per si, abarcando a preservação da integridade física e psiquica da pessoa.
A proteção fornecida pelo ECA a esses direitos é voltada também à mulher gestante e ao nascituro, apresentando garantias específicas nesse sentido nos artigos 8º, 8º-A, 9º e 10, dentre as quais se destaca:
(a) acesso a programas e a políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo;
(b) às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal (realizado por profissionais da atenção primária), perinatal e pós-natal integral no âmbito do SUS;
(c) a mulher poderá escolher o estabelecimento onde será realizado o parto, assegurando-se a vinculação dos profissionais de saúde de referência da gestante ao local, no último trimestre da gestação;
(d) assistência psicológica no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal. Essa garantia também se aplica às mulheres privadas de liberdade e às que desejam entregar seus filhos para adoção. Caso a mulher deseje entregar seu filho para adoção, deve ser encaminhada imediatamente à Vara da Infância e Juventude;
(e) direito a 1 acompanhante, de livre escolha da gestante, nos atendimentos prestados durante toda a gestação, parto e pós-parto imediato;
(f) determinação voltada ao poder público, às instituições e aos empregadores para propiciar condições adequadas para o aleitamento materno, incluindo os filhos de mães privadas de liberdade e adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de privação de liberdade (Lei do SINASE).
Voltando-se especificamente para os hospitais, o ECA impõe os deveres de (artigo 10): manter prontuários individuais pelo prazo de 18 anos; identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe; fornecer a DNV, necessária a lavratura do assento de nascimento; manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a permanência junto à mãe; proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente.
Casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente, devem ser comunicados ao Conselho Tutelar (artigo 13, ECA).
A vacinação de crianças é obrigatória quando recomendado pelas autoridades sanitárias (artigo 14, §1º).
▪ Direito à liberdade: compreende, segundo o artigo 16 do ECA, a liberdade de ir, vir e estar em espaços públicos; opinião e expressão (intelectual, artística e de comunicação); crença e culto religioso; brincar e praticar esportes; participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; participar da vida política, na forma da lei; buscar refúgio, auxílio e orientação.
Determinado magistrado da Vara da Infância e Juventude de uma cidade do interior de São Paulo, observando que um grupo de adolescentes, desacompanhados de seus pais, se reúne em zona considerada perigosa da cidade nos fins de semana, após às 23h, onde permanecem até avançadas horas da madrugada, resolve editar a Portaria 01/2011, instituindo toque de recolher para proibir a permanência desses jovens na rua. Esse ato é legal? Segundo o STJ, não. Representa uma extrapolação do poder regulamentar, previsto no artigo 149 do ECA, por se tratar de uma norma de caráter genérico e abstrato. Inclusive, o ato pode ser impugnado por meio de habeas corpus.
Crianças e adolescentes podem exercer o seu direito de liberdade de expressão para participar de concursos de beleza e espetáculos públicos, desde que seja obtida autorização mediante alvará judicial para tanto (artigo 149, II, ECA).
▪ Direito ao respeito: segundo o artigo 17 do ECA, “[…] consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.”
Assim, por exemplo, se Hana, de família mulçumana, deseja ir à escola usando hijabe, o seu acesso não poderá ser proibido pela escola e também não poderá ser exigido que a aluna retire a vestimenta para ingressar no local.
Nesse sentido, é vedada a veiculação em matéria jornalística de imagens de crianças em situações constrangedoras, ainda que não se mostre o seu rosto (informativo 511, STJ). Exemplo: reprodução de gravação de cenas de tortura em jornal televisivo.
▪ Direito à dignidade: compreende vedação a qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. No âmbito da educação, assegura que crianças e adolescentes sejam educados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de disciplina ou a qualquer outro pretexto, de acordo com o artigo 8º-A, inserido no ECA pela Lei da Palmada ou Lei Menino Bernardo.
Castigo físico implica o uso de força física como ação disciplinar, causando sofrimento físico ou lesão. Exemplos: uso de palmatória ou mandar que a criança se ajoelhe no milho por atrapalhado uma atividade escolar. Já o tratamento cruel ou degradante é aquele que humilha, ameaça gravemente ou ridicularize, não envolvendo necessariamente a violência física, a exemplo da agressão verbal. Em ambos os casos, o dano moral causado é in re ipsa, segundo o STJ.
A pessoa que pratica tais atos estará sujeita às seguintes medidas, aplicadas pelo Conselho Tutelar (artigo 18-B, ECA): encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família; encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; encaminhamento a cursos ou programas de orientação; obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado; advertência. Sem prejuízo de eventuais sanções penais, administrativas e civis. Se praticada pelos pais, a conduta poderá ensejar a perda do poder familiar (artigo 1.638, CC).
▪ Direito à convivência familiar e comunitária: de acordo com o artigo 19 do ECA, “é direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral”. A família possui proteção na CF, artigo 226, e, atualmente, compreende também as uniões homoafetivas, as famílias unipessoais, as monoparentais (formadas por qualquer dos pais e seus descendentes) e as recompostas (companheiros ou casais com filhos de relacionamentos anteriores).
O direito à convivência familiar, garantido à criança e ao adolescente, também assegura visitas periódicas a mãe ou ao pai privado de liberdade, devendo ser promovidas pelo responsável, e nas hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade responsável.
▪ Direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer: o direito à educação é um direito fundamental público subjetivo, de cunho prestacional. Deve ser assegurado às crianças e adolescentes (artigo 53, ECA): em igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; o direito de ser respeitado por seus educadores; o direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; direito de organização e participação em entidades estudantis; acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência, garantindo-se vagas no mesmo estabelecimento a irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo de ensino da educação básica.
Apesar do direito de permanência na escola, é admitida a transferência compulsória de aluno indisciplinado por ato unilateral da escola, desde que a decisão tenha sido tomada por órgão colegiado e permitida a apresentação de defesa prévia pelo aluno.
O ECA também impõe ao Estado o dever de assegurar (artigo 54): o ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 5 anos de idade; acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador; atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação tornou a educação básica gratuita dos 4 aos 17 anos, garantindo a gratuidade e obrigatoriedade do ensino médio.
De acordo com a Constituição Federal, aos Municípios competem atuar prioritariamente na educação infantil (creche e pré-escola) e no ensino fundamental (1º ao 9º ano). Os Estados e Distrito Federal são encarregados de atuar prioritariamente no ensino fundamental e médio. A União é responsável pelo sistema federal de ensino e pelo ensino nos Territórios, financiando instituições públicas federal.
Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental devem comunicar ao Conselho Tutelar os casos de (artigo 56, ECA): maus-tratos envolvendo seus alunos; reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares; e elevados níveis de repetência; sob pena de incorrer em infração administrativa.
Em relação ao direito à cultura e ao lazer, o ECA impõe aos municípios, com apoio dos estados e da União, o dever de estimular e facilitar o emprego de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer. Um exemplo que se enquadra nessa medida é a política do pagamento de meia-entrada para estudantes em espetáculos artístico-culturais e esportivos.
▪ Direito à profissionalização e à proteção ao trabalho: trata-se proteção voltada aos adolescentes, pois a criança não pode trabalhar. A CF autoriza o trabalho a partir dos 16 anos, excetuado o caso do jovem aprendiz, que é admitido a partir dos 14 anos, e veda o trabalho noturno (22h-5h), perigoso ou insalubre, em qualquer caso, ao adolescente. É também vedado, segundo o ECA, o trabalho realizado em horários e locais que não permitam a frequência à escola e sejam prejudiciais a sua formação.
Para o caso peculiar dos atores mirins, de acordo com a CLT, é exigida autorização do juízo da Infância e da Juventude e o preenchimento dos seguintes requisitos: o trabalho não pode ser prejudicial à formação moral da criança e deve ser essencial à subsistência do ator infanto-juvenil ou de sua família.
PREVENÇÃO
Compete ao Estado, à sociedade e à família zelar pelos direitos fundamentais das crianças e adolescentes e atuar de modo a evitar a ocorrência de ameaça ou violação a esses direitos (artigo 70, ECA). Essa proteção decorre da doutrina da proteção integral.
O Poder Público deve elaborar políticas públicas e executar ações no sentido de coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e difundir formas não violentas de educação de crianças e de adolescentes. Isso inclui: a promoção de campanhas educativas; a capacitação de profissionais da saúde, educação e assistência social; incentivo à resolução pacífica de conflitos; integração com os órgãos da rede de proteção à criança e ao adolescente; entre outras constantes no artigo 70-A do ECA.
As entidades que atuem nas áreas de informação, cultura, lazer, esportes, diversões, produtos e serviços, devem contar com pessoas treinadas para reconhecer suspeitas de maus-tratos, devendo comunicá-las ao Conselho Tutelar.
Prevenção Especial
▪ Informação, Cultura, Lazer, Esportes, Diversões e Espetáculos: em relação às diversões e espetáculos, o Poder Público não pode censurar a liberdade de expressão e acesso à informação por crianças e adolescentes, mas tem o dever de regular e oferecer informações sobre a natureza deles, a classificação indicativa e os locais e horários em que sua realização se revele inadequada.
A título de exemplo, imagine-se que uma grande emissora de televisão, de alcance nacional, resolva reprisar durante a tarde uma novela que foi transmitida originalmente no horário das 22h, por conter cenas de nudez e linguagem inapropriada. Inconformados, diversos cidadãos resolveram ingressar no Judiciário pleiteando a suspensão da programação da emissora por ter violado a classificação indicativa para o horário. O magistrado concede medida liminar nesse sentido. A decisão foi acertada? Não. De acordo com o entendimento do STF na ADI 2404, a classificação é meramente indicativa e não constitui uma obrigação, que configuraria censura.
O particular que promove eventos públicos também possui deveres no sentido de informar amplamente sobre a natureza do espetáculo e a faixa etária especificada no certificado de classificação, antes da realização do evento ou exibição do espetáculo. O mesmo se aplica ao meio físico que veicula as gravações (ex.: DVD de filme).
Os responsáveis por estabelecimentos que explorem comercialmente atividades de jogatina (sinuca, bilhar, apostas), não devem permitir o acesso de crianças e adolescentes ao local.
As revistas destinadas ao público infanto-juvenil não podem conter ilustrações, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições. E as revistas com conteúdo inadequado a essa idade devem ser comercializadas lacradas e, quando contiverem mensagens pornográficas ou obscenas na capa, em embalagem opaca.
▪ Produtos e Serviços: é proibida a comercialização à criança ou ao adolescente de (artigo 81, ECA): armas, munições e explosivos; bebidas alcoólicas; produtos que possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida; fogos de estampido e de artifício, exceto aqueles que pelo seu reduzido potencial sejam incapazes de provocar qualquer dano físico em caso de utilização indevida; revistas e publicações contendo material impróprio para crianças e adolescentes; bilhetes lotéricos e equivalentes. É também vedada a hospedagem de criança ou adolescente em hotel, motel, pensão ou estabelecimento congênere, salvo se autorizado ou acompanhado pelos pais ou responsável (artigo 82).
▪ Autorização para Viajar: em hipótese de viagem para fora da comarca, o ECA exige autorização judicial para criança e para adolescente de até 15, quando desacompanhados dos pais ou responsáveis. Por exemplo, Lucas, de 16 anos, que mora em São Paulo e deseja viajar para Salvador para visitar os seus avós no verão, poderá realizar a viagem desacompanhado dos seus pais, dispensando-se a apresentação de autorização deles.
A autorização não será exigida quando se tratar de comarca contígua a residência da criança ou adolescente, se na mesma unidade da Federação ou incluída na mesma região metropolitana. Nesse sentido, uma adolescente de 12 anos que mora em Juazeiro/BA, mas estuda em Petrolina/PE, não precisará de autorização dos seus pais para se deslocar para escola.
Também não será exigida autorização quando a criança ou adolescente menor de 16 estiver acompanhado de: ascendente ou colateral maior, até o terceiro grau (tio), comprovado o parentesco por documentos; ou pessoa maior, expressamente autorizada pelo pai, mãe ou responsável (artigo 83, §1º, “b”).
Em caso de viagem para o exterior, somente é dispensada a autorização se a criança ou adolescente estiver acompanhado de ambos os pais ou responsável; e se, viajando na companhia de um dos pais, o outro tenha autorizado a viagem em documento com firma reconhecida (artigo 84, ECA). Para sair do país acompanhada de estrangeiro, domiciliado no exterior, a criança ou adolescente necessitará de autorização judicial.
POLÍTICAS DE ATENDIMENTO
São regidas por dois princípios base, de acordo com o artigo 204 da CF: o princípio da descentralização político-administrativa, segundo o qual a União fica responsável pela coordenação e expedição de normas gerais, enquanto aos Estados e municípios competem a execução dos programas em suas esferas, e o princípio da participação popular por meio de formulação de políticas e controle das ações.
De acordo com o artigo 87 do ECA, as linhas de ação da política de atendimento, que são medidas indicadas pelo legislador como imprescindíveis, compreendem:
(a) políticas sociais básicas;
(b) serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social de garantia de proteção social e de prevenção e redução de violações de direitos, seus agravamentos ou reincidências;
(c) serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão;
(d) serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos;
(e) proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente.
(f) políticas e programas destinados a prevenir ou abreviar o período de afastamento do convívio familiar e a garantir o efetivo exercício do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes;
(g) campanhas de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e à adoção, especificamente inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos.
Em relação ao item “d”, foi criado o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos.
O artigo 88 do ECA apresenta as diretrizes, que são orientações a serem adotadas pelo Poder Público para implementar as linhas de ações:
(a) municipalização do atendimento;
(b) criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais;
(c) criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa;
(d) manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente;
(e) integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional;
(f) integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Conselho Tutelar e encarregados da execução das políticas sociais básicas e de assistência social, para efeito de agilização do atendimento de crianças e de adolescentes inseridos em programas de acolhimento familiar ou institucional, com vista na sua rápida reintegração à família de origem ou, se tal solução se mostrar comprovadamente inviável, sua colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei;
(g) mobilização da opinião pública para a indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade.
(h) especialização e formação continuada dos profissionais que trabalham nas diferentes áreas da atenção à primeira infância, incluindo os conhecimentos sobre direitos da criança e sobre desenvolvimento infantil;
(i) formação profissional com abrangência dos diversos direitos da criança e do adolescente que favoreça a intersetorialidade no atendimento da criança e do adolescente e seu desenvolvimento integral;
(j) realização e divulgação de pesquisas sobre desenvolvimento infantil e sobre prevenção da violência.
Os membros do conselho nacional e dos conselhos estaduais e municipais dos direitos da criança e do adolescente não são remunerados em razão dessa função, que é considerada de interesse público relevante.
Entidades de atendimento: são entidades governamentais ou não-governamentais encarregadas dos programas de proteção e aplicação de medidas socioeducativas, em regime de (artigo 90, ECA): orientação e apoio sociofamiliar; apoio socioeducativo em meio aberto; colocação familiar; acolhimento institucional; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; semiliberdade; e internação.
As entidades não-governamentais dependem de registro no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente para poderem funcionar, cuja validade será de no máximo 4 anos. O Conselho Municipal deve reavaliar os programas em execução no máximo a cada 2 anos.
As entidades governamentais e não-governamentais de atendimento serão fiscalizadas pelo Poder Judiciário, pelo Ministério Público e pelos Conselhos Tutelares, de acordo com o ECA, e a doutrina aponta também a Defensoria Pública como entidade fiscalizadora.
▪ Entidades de acolhimento institucional e familiar: entre os princípios que devem ser observados, se destaca (artigo 92): preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração familiar; integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa; não desmembramento de grupos de irmãos.
O dirigente da entidade de acolhimento é equiparado ao guardião para todos os efeitos legais e deve remeter relatório circunstanciado à autoridade judiciária sobre a situação de cada criança ou adolescente, no máximo a cada 6 meses, para fins de reavaliação da medida.
▪ Entidades de internação: são aquelas encarregadas de adolescentes submetidos à medida socioeducativa de internação. Suas obrigações estão previstas no artigo 94 do ECA e, em caso de descumprimento por entidades governamentais, podem ser aplicadas as medidas de (artigo 97): (a) advertência; (b) afastamento provisório de seus dirigentes; (c) afastamento definitivo de seus dirigentes; (d) fechamento de unidade ou interdição de programa. Se o descumprimento se der por entidade não-governamental, podem ser aplicadas as medidas de: (a) advertência; (b) suspensão total ou parcial do repasse de verbas públicas; (c) interdição de unidades ou suspensão de programa; (d) cassação do registro. Sem prejuízo de eventuais sanções civis e criminais.
MEDIDAS DE PROTEÇÃO
As medidas de proteção são instrumentos utilizados para evitar ou afastar ameaça ou lesão aos direitos da população infanto-juvenil, causados por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; ou até mesmo em razão da própria conduta da criança ou adolescente.
O rol de medidas específicas de proteção constante no artigo 101 do ECA é meramente exemplificativo e, diferentemente das medidas socioeducativas, não possuem caráter retributivo.
Podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa, bem como substituídas, verificando-se as necessidades do caso concreto.
Competência: o juízo da Vara da Infância e da Juventude possui competência para aplicar todas as medidas protetivas. O Conselho Tutelar também possui atribuição para aplicá-las, ressalvadas apenas as medidas de inclusão em acolhimento familiar e colocação em família substituta.
Princípios
Estão dispostos no artigo 100 do ECA:
▪ Princípio da condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos: atribui a crianças e adolescentes a titularidade de direitos previstos na CF, no ECA e em outras Leis.
▪ Princípio da proteção integral e prioritária: referente aos direitos de que crianças e adolescentes são titulares, consubstancia vetor interpretativo para a aplicação de qualquer norma constante no ECA.
▪ Princípio da responsabilidade primária e solidária do poder público: a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes, salvo nas hipóteses expressamente ressalvadas na CF, é de responsabilidade primária e solidária das 3 esferas de governo, sem prejuízo da municipalização do atendimento e da possibilidade da execução de programas por entidades não governamentais.
▪ Princípio do interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção tem por objetivo atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo de se ponderar outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.
▪ Princípio da privacidade: a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada. Por aplicação desse princípio, as demandas do juízo da Infância e da Juventude tramitam em segredo de justiça.
▪ Princípio da intervenção precoce: assim que a situação de perigo é identificada, as autoridades competentes devem agir de forma rápida e imediata para evitar o agravamento da situação.
▪ Princípio da intervenção mínima: a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do adolescente
▪ Princípio da proporcionalidade e atualidade: a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo.
▪ Princípio da responsabilidade parental: apesar da intervenção, os pais devem ser chamados a assumir os seus deveres para com a criança e o adolescente.
▪ Princípio da prevalência da família: deve-se dar preferência às medidas que mantenham ou reintegram a criança e o adolescente na sua família natural ou extensa, se não for possível, às que promovam a sua integração em família adotiva.
▪ Princípio da obrigatoriedade da informação: os motivos que determinaram a intervenção, a forma como essa se processa e os direitos envolvidos devem ser comunicados à criança e ao adolescente, respeitado o seu estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão, e também aos pais ou responsável.
▪ Princípio da oitiva obrigatória e participação: a criança e o adolescente, em separado ou na companhia dos pais, de responsável ou de pessoa por si indicada, bem como os seus pais ou responsável, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente considerada pela autoridade judiciária competente.
Espécies
De acordo com o artigo 101 do ECA, são medidas de proteção:
(a) o encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
(b) a orientação, apoio e acompanhamento temporários;
(c) a matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
(d) a inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente;
(e) a requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
(f) a inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
(g) o acolhimento institucional;
(h) a inclusão em programa de acolhimento familiar;
(i) a colocação em família substituta.
A colocação em família substituta, devido a sua importância na matéria, será abordada em capítulo separado.
Acolhimento
▪ Acolhimento Institucional: é realizado por uma entidade de atendimento com o objetivo e resguardar a integridade da criança ou adolescente que estava sendo submetido a uma situação de violência, seja física ou moral. Não se confunde com as modalidades de colocação em família substituta, pois se trata de medida de caráter provisório, com vistas a reintegração familiar. Tanto o é que o acolhimento deve ocorrer em entidade mais próxima da residência dos pais e, sempre que necessário, a família deverá ser inserida em programas de orientação, apoio e promoção social, sendo estimulado o contato com a criança ou adolescente (artigo 101, §7º).
A aplicação da medida pressupõe autorização judicial, exceto em casos de urgência, nos quais a entidade que mantém o programa de acolhimento deverá comunicar a aplicação da medida ao Juízo da Infância e da Juventude dentro de 24h, sob pena de responsabilidade. Nesses casos de urgência, o encaminhamento geralmente é feito pelo Conselho Tutelar.
Imagine-se a seguinte situação hipotética: Luan, de 9 anos de idade, é encontrado por um guarda municipal perambulando sozinho na rua, às 2h da manhã, sujo, com fome e sem portar qualquer documento, próximo a uma entidade de acolhimento. Qual providência poderá ser adotada pelo guarda? O guarda poderá encaminhar Luan diretamente para entidade de acolhimento, que receberá a criança de forma excepcional.
Após o recebimento da criança ou adolescente, a entidade responsável pelo acolhimento institucional deverá elaborar um plano individual de atendimento, sob responsabilidade da equipe técnica, levando em consideração a opinião da criança ou do adolescente e a oitiva dos pais ou do responsável (artigo 101, §5º). A permanência no acolhimento deve ser reavaliada a cada 3 meses pelo juízo competente, não devendo ultrapassar o máximo de 18 meses, salvo se indicado com base no princípio do superior interesse.
Se o retorno à família de origem não for possível, deverá ser elaborado relatório fundamentado pelos técnicos da entidade ao Ministério Público, contendo as providências adotadas e a recomendação para o caso, para que esse promova a destituição do poder familiar, da tutela ou guarda, se não entender ser o caso de realizar estudos complementares.
▪ Acolhimento Familiar: a criança ou adolescente é entregue a uma família acolhedora, previamente cadastrada junto ao Poder Público, para resguardá-lo. Também pressupõe situação de risco em relação à criança ou ao adolescente e também se trata de medida de caráter provisório, com vistas a reintegração familiar ou colocação em família substituta, se não for possível o retorno à família de origem.
Assim como no acolhimento institucional, deve ser observada a proximidade com a família de origem e o prazo de revisão da medida (reavaliação a cada 3 meses, no máximo), não podendo se estender para mais de 18 meses, exceto por necessidade comprovada. A família acolhedora recebe uma ajuda de custo mensal enquanto perdurar a medida.
Ambas as modalidades de acolhimento não implicam em privação da liberdade e devem ser autorizadas por autoridade judiciária competente. Será instaurado procedimento judicial contencioso, a pedido do Ministério Público ou de quem possua legitimidade, garantindo-se aos pais ou responsáveis legais o exercício do contraditório e da ampla defesa.
COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA
O ECA estabelece uma preferência pela manutenção ou reintegração da criança ou adolescente na sua família natural ou extensa, frente a qualquer outra medida que possa ser adotada em termos de proteção e apoio, mesmo que os pais estejam privados de liberdade. Se essa providência não for possível (ex.: caso de morte dos pais) ou não atenda o melhor interesse da criança ou adolescente (ex.: situação de grave violência doméstica contra criança), ela será colocada em família substituta (medida de proteção), mediante guarda, tutela ou adoção.
Família natural: comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes (artigo 25, ECA). Família extensa: compreende também os parentes próximos (artigo 25, parágrafo único). Família substituta: a colocação em família substituta é feita por guarda, tutela ou adoção (artigo 28, ECA).
Atenção: a falta ou carência de recursos materiais não é motivo idôneo para fundamentar a perda ou suspensão do poder familiar (artigo 23, ECA) ou colocação da criança ou adolescente em família substituta, segundo o STJ. Nesses casos, a família deve ser inserida em programas assistenciais.
Diretrizes Gerais
Nos termos do artigo 28 do ECA, no procedimento de colocação em família substituta a criança ou adolescente, sempre que possível, devem ser ouvidos e a sua opinião será considerada. Em se tratando de adolescente, maior de 12 anos de idade, é necessário o seu consentimento.
Atento às consequências da medida, o dispositivo adota ainda como critérios a serem levados em consideração a relação de afinidade, afetividade e o grau de parentesco. Nesse mesmo sentido, os irmãos devem permanecer juntos, salvo se comprovada situação de risco de abuso ou outra situação que justifique solução diversa.
Na hipótese de criança ou adolescente indígena ou quilombola, a colocação familiar deve priorizar o seio da sua comunidade, devendo ser respeitadas sua identidade social e cultural, costumes e tradições.
Modalidades de Colocação em Família Substituta
▪ Guarda: serve para regularizar a posse de fato ou, excepcionalmente, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável (artigo 33, §§1º e 2º). A medida confere ao guardião alguns dos atributos do poder familiar, como os deveres de prestar assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, e o direito de opor-se a terceiro. Esse último direito pode, inclusive, ser exercido contra os pais.
A título de exemplo, se a mãe de Joana, criança de 10 anos que está sob a guarda de fato da avó, deseja viajar com a filha para o Canadá, mas a avó não consente com a viagem, apesar disso, a mãe precisará apenas da autorização do pai de Joana para que possa viajar com a filha. Isso porque apenas a guarda concedida judicialmente (formalizada) atribui o direito ao guardião de se opor aos pais.
A guarda também confere proteção previdenciária à criança ou adolescente, que será considerado dependente do guardião para todos os efeitos legais.
Ao assumir o encargo, o guardião deve prestar compromisso de bem e fielmente desempenhá-lo, mediante termo nos autos (artigo 32, ECA).
A guarda possui caráter provisório, podendo ser revogada a qualquer tempo, e pode ser concedida em caráter liminar ou incidental, nos processos de tutela e adoção. Não é admitida em caso de adoção por estrangeiros.
É perfeitamente possível a coexistência da guarda com o poder familiar, por isso, a guarda não impede o exercício do direito de visitas pelos pais, assim como não exclui o dever de prestar alimentos, exceto se houver determinação judicial em contrário, quando a medida constituir uma preparação para adoção (artigo 33, §4º, ECA).
▪ Tutela: a tutela pressupõe a decretação da perda ou suspensão do poder familiar e implica o dever de guarda. A tutela somente poderá ser deferida a pessoa de até 18 anos incompletos e cessará quando o tutelado atingir a maioridade civil ou for emancipado.
Os pais podem indicar, por testamento ou qualquer documento autêntico, quem desejam que exerça a tutela de seus filhos, em caso de morte. Nessa hipótese, o tutor nomeado deve ingressar no judiciário para formalizar o ato após a abertura da sucessão.
Assim, se Joana, mãe de Ana de apenas 7 anos de idade, após o falecimento repentino do seu marido, deseja indicar seu irmão como tutor de Ana, caso ela, Joana, venha também a falecer subitamente, poderá fazê-lo por meio de testamento.
A tutela poderá ser destituída em processo judicial, no casos previstos em lei e quando comprovado o descumprimento injustificado dos deveres inerentes à guarda.
▪ Adoção: das modalidades de colocação em família substituta, a adoção possui a disciplina mais extensa porque, ao contrário das anteriores, estabelece vínculo de filiação definitivo e irrevogável entre adotante e adotado, mediante rompimento dos vínculos do adotando com a família natural e extensa, ressalvados apenas os impedimentos matrimoniais. Inclusive, a morte dos adotantes não restabelece o poder familiar dos pais biológicos.
Também em razão dessas características, a adoção é medida excepcional, devendo somente ser concedida quando não for possível a manutenção da criança ou adolescente na sua família natural ou extensa, sendo vedada a adoção por procuração (artigo 39, §§1º e 2º). Tutor ou curador podem adotar o tutelado ou curatelado após prestar contas da sua administração e saldar o seu alcance (artigo 44, ECA).
Quando os pais biológicos forem conhecidos e detiverem poder familiar, será necessário o seu consentimento para que haja processo de adoção. O consentimento é retratável até a data da realização da audiência, e os pais podem exercer o arrependimento no prazo de 10 (dez) dias, contado da data de prolação da sentença de extinção do poder familiar (artigo 166, §5º, ECA).
Requisitos para adoção: (a) o adotante deve ser maior de 18 anos de idade e a adoção independe do seu estado civil; (b) ascendentes (ex.: avós) e irmãos não podem adotar; (c) o adotante deve ser 16 anos mais velho que o adotado; (d) o adotante deve passar pelo procedimento de habilitação previsto no ECA, devendo demonstrar aptidão para adotar; (e) se o adotando for maior de 12 anos, será necessário o seu consentimento; (f) o adotando deve ter, no máximo, 18 anos na data do pedido, salvo se já estava sob a guarda ou tutela dos adotantes.
Modalidades de adoção: (a) Adoção conjunta: regra geral, sendo realizada por casais ou companheiros, independentemente da relação ser hétero ou homoafetiva. Os divorciados, os separados judicialmente e os ex-companheiros podem adotar de forma conjunta, desde que o estágio de convivência com o adotando tenha se iniciado durante a constância da relação. Nesse caso, deve ser firmado acordo sobre a guarda e o regime de visitas e ser comprovado o vínculo de afetividade entre o adotando e aquele não detentor da guarda. Sendo mais benéfico ao adotando, será concedida guarda compartilhada.
(b) Adoção unilateral: trata-se de exceção a necessária habilitação no cadastro de adotantes e se configura quando um dos cônjuges ou companheiro resolve adotar o filho do outro. São mantidos os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou companheiro do adotante (artigo 43, §5º, ECA) e, salvo atestada impossibilidade, é necessária a autorização do pai ou mãe que irá perder o poder familiar.
Imagine-se a seguinte situação hipotética: Fernanda, viúva, mãe de Lucas, de 5 anos, começa a viver em união estável com João. Por trabalhar em home office, João convivia mais com Lucas do que Fernanda, e os dois constituíram vínculos de afetividade, sendo que Lucas reconhecia João como pai. Quando Lucas alcançou a idade de 16 anos, Fernanda terminou o relacionamento com João e João, atendendo a pedido de Lucas, resolve ingressar com ação de adoção unilateral. Fernanda discorda do pedido, em razão do término conturbado do relacionamento. Lucas poderá ser adotado por João? Atendendo ao princípio do superior interesse da criança e do adolescente, Lucas poderá ser adotado por João, considerando o prolongado período de convivência e os laços afetivos formados, ainda que a sua mãe não consinta com a medida.
(c) Adoção post mortem: deferida quando, no curso do procedimento de adoção o adotante vem a falecer, após manifestação inequívoca do desejo de adotar (artigo 43, §6º, ECA).
(d) Adoção nacional: a adoção deve ser precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, a ser cumprido em território nacional, pelo prazo máximo de 90 dias, prorrogável por igual período (artigo 46, ECA). Poderá ser dispensado se o adotando já se encontrava sob a guarda ou tutela do adotante, por tempo em que seja possível avaliar a constituição dos vínculos de afetividade.
O estágio de convivência é acompanhado por equipe interprofissional, que deve elaborar relatório minucioso e, ao final do período do estágio de convivência, deve apresentar laudo à autoridade judiciária recomendando ou não o deferimento da adoção.
O vínculo da adoção é constituído por sentença, que será inscrita no registro civil, por mandato do qual não se fornecerá certidão, constando o nome dos adotantes como pais, bem como o nome dos seus ascendentes, ou seja, os avós (artigo 47, ECA). As certidões do registro não podem conter observação sobre a origem do ato.
A sentença julgada procedente produzirá efeitos a partir do trânsito em julgado, exceto na hipótese de falecimento do adotante no curso do processo, quando retroagirá a data do óbito (artigo 47, §6º, ECA). A sentença atribui ao adotado o nome do adotante e, a pedido de qualquer deles, poderá ser alterado o prenome (artigo 47, §5º, ECA). Se o pedido for formulado pelo adotante, o adotado deve ser ouvido.
O processo de adoção de criança ou adolescente deficiente ou com doença crônica tem prioridade de tramitação.
Conforme artigo 48 do ECA, após completar os 18 anos, o adotado possui o direito de conhecer a sua origem biológica, bem como ter acesso irrestrito ao processo de adoção. O acesso ao processo poderá ser deferido ao adotado menor de 18 anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica.
A título exemplificativo, se Marcus, de 16 anos, deseja buscar informações sobre a sua origem biológica, mediante acesso ao seu processo de adoção, e se dirige a Vara da Infância e da Juventude apresentando esse pedido, mesmo que seus pais adotivos não sejam a favor, Marcus poderá ter acesso aos autos, desde que receba orientação e assistência jurídica e psicológica.
(e) Adoção internacional: de acordo com o artigo 51 do ECA, a adoção internacional se configura quando o pretendente (nacional ou estrangeiro) possui residência habitual em país-parte da Convenção de Haia, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, promulgada pelo Decreto n o 3.087/99, e deseja adotar criança em outro país-parte da Convenção. Os brasileiros q residentes no exterior, que pretendam adotar, têm preferência em relação aos estrangeiros.
Requisitos: (a) deve ser comprovado que a medida é adequada ao caso; (b) devem ser esgotadas todas as possibilidades de adoção por família brasileira, comprovando-se a inexistência de adotantes habilitados residentes no país compatíveis com o perfil do adotando; (c) em se tratando de adolescente, esse deve ser consultado sobre se está preparado para medida, por equipe interprofissional.
O estágio e convivência, a ser cumprido no Brasil e preferencialmente na comarca de residência do adotando, será de no mínimo 30 dias e no máximo 45, prorrogável por igual período, uma única vez (artigo 46, §§3º e 5º, ECA).
A pessoa ou casal residente no exterior que pretende adotar, deve formular o pedido de habilitação à Autoridade Central em matéria de adoção internacional no país de acolhida, onde está localizada a sua residência. A Autoridade Central do país de acolhida, considerando os requerentes habilitados, envia relatório à Autoridade Central Estadual brasileira, com toda a documentação exigida para adoção. Após a apreciação pela Autoridade Central Estadual, é emitido o laudo de habilitação para adoção internacional, com validade de 1 ano. Em posse desse laudo, o interessado poderá dar entrada no pedido de adoção perante o Juízo da Infância e Juventude do local em que se encontra o adotando.
Assim, se um casal brasileiro, domiciliado na Alemanha, em visita ao Brasil resolve adotar um adolescente, após conhecê-lo em visita a uma entidade de acolhimento institucional, mesmo estando no Brasil, deverá formular o pedido de habilitação junto à Autoridade Central da Alemanha.
(f) Adoção à brasileira: é crime tipificado no artigo 242 do CP “dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho o de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil”.
ATO INFRACIONAL E MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
O ato infracional se configura quando criança ou adolescente pratica conduta descrita como crime ou contravenção penal. Como a pessoa com menos de 18 anos é inimputável na seara penal, ela não pratica tecnicamente um crime.
Embora a criança (pessoa de até 12 anos incompletos) também cometa atos infracionais, a ela é somente possível aplicar medidas de proteção. Para o adolescente (pessoa de 12 a 18 anos incompletos), além das medidas de proteção, são aplicáveis também as medidas socioeducativas.
O marco adotado para caracterização do ato infracional é o momento da conduta comissiva ou omissiva. Assim, se João, com 17 anos, pratica conduta análoga ao crime de furto um dia antes do seu aniversário, terá praticado ato infracional, ainda que a apuração da conduta venha a ocorrer após João ter completado os 18 anos, e estará sujeito a aplicação de medida socioeducativa enquanto não atingida a idade de 21 anos.
Quando a criança pratica ato infracional, ela é encaminhada ao Conselho Tutelar, que deverá aplicar a(s) medida(s) protetiva(s) que entender cabível(eis). Já o adolescente poderá ser submetido a processo perante o juízo da Infância e da Juventude, e, após o devido processo, sofrer uma sanção de cumprimento de medida socioeducativa, além de lhe poder ser também aplicada medida protetiva.
Direitos Individuais e Garantias Processuais
Os artigos 106 a 111 do ECA dispõem sobre os direitos individuais e garantias processuais que devem ser assegurados aos adolescentes sujeitos à aplicação de medidas socioeducativas.
Dentre os direitos, se destaca que nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. Em caso de apreensão, o adolescente tem direito à identificação dos responsáveis, deve ser informado dos seus direitos e a apreensão deverá ser incontinenti comunicada à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada.
O adolescente não pode ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial (“camburão” da viatura), em condições que violem a sua dignidade.
Dentre as garantias, se destaca que nenhum adolescente poderá ser privado da sua liberdade sem o devido processo legal, sendo assegurados: pleno e formal conhecimento sobre o ato infracional atribuído; igualdade na relação processual; defesa técnica por advogado; direito e ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente; e direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.
Apuração de Ato Infracional
Se apreensão do adolescente ocorrer por ordem judicial, ele deverá ser apresentado à autoridade judiciária. Se a apreensão foi por flagrante de ato infracional, o adolescente deverá ser encaminhado à autoridade policial, dando-se preferência à repartição policial especializada.
▪ Perante a autoridade policial: em caso de flagrante, se o ato infracional foi cometido mediante violência ou grave ameaça à pessoa, a autoridade policial deverá lavrar auto de apreensão, ouvir as testemunhas e o adolescente, apreender o produto e os instrumentos da infração e requisitar exames ou perícias necessários à comprovação da materialidade e autoria. Não sendo ato praticado mediante violência ou grave ameaça, a autoridade policial irá apenas elaborar boletim de ocorrência circunstanciado.
O adolescente deverá ser liberado, comparecendo qualquer dos pais ou responsável, sob termo de compromisso e responsabilidade de que será apresentado ao Ministério Público, no mesmo dia, ou, sendo impossível, no primeiro dia útil imediato. Excepcionalmente, em razão da gravidade do ato infracional e sua repercussão social, o adolescente poderá permanecer internado para sua segurança pessoal e manutenção da ordem pública.
Não sendo liberado, o adolescente é encaminhado ao Ministério Público imediatamente pela autoridade policial. Se não for possível, a autoridade policial deve encaminhá-lo para entidade de atendimento, que, por sua vez, fará o encaminhamento ao Ministério Público em até 24h. Se não houver entidade de atendimento no local, enquanto aguarda a apresentação, o adolescente deve permanecer em dependência separada das destinadas aos maiores de idade.
Se o adolescente for liberado, a autoridade policial deve encaminhar o auto de apreensão ou boletim de ocorrência ao Ministério Público.
▪ Perante o Ministério Público: se o adolescente não for apresentado, o Ministério Público notificará seus os pais ou responsáveis, podendo requisitar o concurso das polícias civil e militar. Apresentado o adolescente, o Ministério Público deve realizar imediatamente a sua oitiva informal e, em sendo possível, de seus pais ou responsável, vítima e testemunhas. Após, adotará uma das seguintes providências:
Promover o arquivamento: do inquérito policial ou boletim circunstanciado, se inexistirem indícios de autoria ou prova da materialidade do ato infracional; quando o fato for atípico, não caracterizando ato infracional, ou, sendo típico, não tenha sido cometido por adolescente; ou quando presentes alguma das excludentes de ilicitude ou de culpabilidade.
Conceder a remissão: sendo constatada a prática do ato infracional pelo adolescente, o Ministério Público poderá deixar de instaurar o processo, diante das circunstâncias do caso. Seria uma forma de “perdão”. A remissão pode ser própria, quando aplicada de forma isolada, ou imprópria, quando cumulada com alguma medida socioeducativa. A medida socioeducativa aplicada não poder implicar em privação de liberdade (semiliberdade e internação). A remissão não configura confissão.
Nas hipóteses de arquivamento e remissão o Ministério Público deve remeter a medida para homologação pelo juiz. No caso de remissão imprópria, o magistrado não poderá excluir a aplicação da medida socioeducativa e homologar apenas a remissão.
Oferecer a representação: não sendo o caso de arquivamento ou remissão, o Ministério Público deverá propor a instauração do processo para aplicação da medida socioeducativa adequada ao caso, sendo o único legitimado para propor ação socioeducativa.
▪ Perante o Juízo: oferecida a representação, a autoridade judiciária deverá designar audiência de apresentação do adolescente, para sua oitiva, de seus pais ou responsável. Também poderá ser ouvido o representante do Ministério Público.
Se os pais ou responsável pelo adolescente não for encontrado para citação, será nomeado curador especial (Defensoria Pública). Se adolescente não for encontrado, a autoridade judiciária expedirá mandado de busca e apreensão, com prazo de validade máximo de 6 meses, podendo ser renovado (artigo 47, Lei do SINASE).
Sendo grave o ato infracional imputado ao adolescente, passível de aplicação de medida de internação ou semiliberdade, e o juízo constatar que o adolescente não possui defensor constituído, deverá nomear lhe um e designar audiência em continuação. A defesa prévia deve ser apresentada no prazo de 3 dias contados da audiência de apresentação.
A audiência em continuação se assemelha à audiência de instrução e julgamento, são ouvidas as testemunhas, juntado relatório por equipe interprofissional, há manifestação do Ministério Público e da defesa e, após, é proferida decisão.
Se o adolescente for notificado da audiência e não comparecer, injustificadamente, poderá ser determinada a sua condução coercitiva (artigo 187, ECA).
O juiz também pode conceder remissão, como forma de extinção ou suspensão do processo, em qualquer fase do procedimento, desde que antes da sentença (artigo 188).
Estando o adolescente provisoriamente internado, o prazo máximo para conclusão desse procedimento será de 45 dias, improrrogáveis.
Medidas Socioeducativas
▪ Advertência: é a admoestação verbal feita pelo juiz, reduzida a termo e assinada. Para aplicá-la não é necessária prova da autoria da prática do ato, mas apenas indícios.
▪ Obrigação de reparar o dano: medida aplicável aos casos em que o ato infracional possui reflexos patrimoniais (artigo 116, ECA). A autoridade judiciária deverá determinar a forma de cumprimento, se por restituição da coisa, ressarcimento do dano ou outra forma que compense o prejuízo da vítima. Deve ser cumprida pelo adolescente, quando esse possuir patrimônio próprio, e não seus pais ou responsáveis.
▪ Prestação de serviços à comunidade: consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como programas comunitários ou governamentais (artigo 117, ECA). O prazo máximo de duração dessa medida é de 6 meses e a jornada máxima é de 8h semanais, a serem cumpridas aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho.
▪ Liberdade assistida: é medida de acompanhamento, auxílio e orientação ao adolescente por um orientador, que poderá ser recomendado por entidade ou programa de atendimento. Tem duração mínima de 6 meses, podendo ser revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor. Aplica-se o prazo máximo de duração de 3 anos, previsto para a internação, por analogia.
▪ Semiliberdade: a liberdade do adolescente é parcialmente privada. O adolescente trabalha/estuda durante o dia e passa a noite na entidade de atendimento. Pode ser aplicada na sentença ou como forma de transição da medida de internação para o meio aberto. A realização de atividades externas não depende de autorização judicial, mas para limitá-las é necessária decisão do juízo. O ECA não estabeleceu prazos para cumprimento, mas determina a aplicação das regras relativas à internação. Assim, é possível concluir que a medida de semiliberdade não poderá ultrapassar o prazo de 3 anos.
▪ Internação: é medida privativa de liberdade, sendo a medida socioeducativa mais gravosa, por isso, é orientada pelos princípios sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Não posssui prazo determinado de cumprimento, mas não deve ultrapassar o máximo de 3 anos, sendo a sua necessidade reavaliada no máximo a cada 6 meses.
Atingidos os 3 anos, o adolescente deverá ser colocado em liberdade, em regime de semiliberdade ou liberdade assistida. Se, no curso do cumprimento, a pessoa completar 21 anos, será obrigatoriamente colocada em liberdade.
Nova medida de internação não poderá ser aplicada por atos praticados em momento anterior ao cumprimento de medida dessa natureza.
Hipóteses de cabimento (artigo 122, ECA): (a) ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; (b) reiteração no cometimento de outras infrações graves; (c) descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
A internação pode ser determinada antes da sentença por decisão fundamentada pelo prazo máximo de 45 dias. Esse prazo será computado na internação total, se a medida for aplicada na sentença.
Súmula 492 do STJ: O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente.
A internação não pode ser aplicada para ato infracional análogo ao crime de porte de drogas para consumo pessoal, visto que esse crime não é punido com pena privativa de liberdade.
O prazo máximo para a internação-sanção, hipótese da letra “c”, é de 3 meses e antes de ser aplicada o adolescente deverá ser ouvido.
O artigo 124 do ECA prevê os direitos dos adolescentes privados de liberdade. Não é admitida a sua incomunicabilidade, mas o direito de visitas poderá ser suspenso.
CONSELHO TUTELAR
Foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro de forma inaugural pelo ECA. Possui natureza de órgão permanente e autônomo, destituído de poder jurisdicional, que tem por função a proteção e a promoção dos direitos da criança e do adolescente.
Cada município e cada Região Administrativa do Distrito Federal deve contar com, pelo menos, 1 (um) Conselho Tutelar como órgão integrante da administração local (artigo 132, ECA) e lei municipal deve disciplinar dia, hora e local de funcionamento das atividades do Conselho.
As decisões do Conselho Tutelar estão sujeitas a controle jurisdicional, a requerimento de quem tenha legítimo interesse.
Composição e integrantes: cada Conselho Tutelar será composto por 5 membros, escolhidos por eleição pela população local para mandato de 4 anos, sendo permitida a recondução. O candidato a membro do Conselho tutelar deve ter reconhecida idoneidade moral, idade superior a 21 anos e residir no município onde será desempenhada a função.
O artigo 140 do ECA estabelece como impedimento para elegibilidade: servir no mesmo Conselho marido e mulher, ascendentes e descendentes, sogro e genro ou nora, irmãos, cunhados, durante o cunhadio, tio e sobrinho, padrasto ou madrasta e enteado. Esse impedimento se estende em relação à autoridade judiciária e ao representante do Ministério Público com atuação na Justiça da Infância e da Juventude da comarca.
O processo de escolha dos conselheiros será organizado por lei municipal, sob responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e fiscalização pelo Ministério Público, devendo ocorrer a cada 4 anos em data unificada em todo o território nacional. É vedado ao candidato doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive brindes de pequeno valor (artigo 139, §3º, ECA).
As atribuições do Conselho Tutelar estão dispostas no artigo 136 do ECA.
PERDA E SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR
O poder familiar compreende alguns direitos e deveres pessoais que os pais possuem em relação aos filhos. De acordo com o artigo 21 do ECA, o poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
A destituição do poder familiar somente ocorre mediante decisão judicial, por procedimento em que seja assegurado o contraditório, nos casos previstos em lei e quando há descumprimento injustificado dos deveres de guarda, educação e sustento dos filhos.
A condenação criminal do pai ou da mãe não implica em destituição do poder familiar, exceto quando a condenação for por crime doloso, sujeito à pena de reclusão, contra outrem também titular do mesmo poder familiar ou contra o filho ou outro descendente (artigo 23, §º, ECA). A carência de recursos materiais também não constitui motivo indôneo para destituição do poder familiar, devendo a família ser inserida em programas oficiais de apoio (artigo 23, §1º, ECA).
A destituição do poder familiar se dá por perda ou suspensão, cujo procedimento será instaurado por provocação do Ministério Público ou por quem tenha legítimo interesse.
A suspensão do poder familiar poderá ser decretada de forma liminar ou incidental, ouvido o Ministério Público, quando houver motivo grave, ficando a criança ou adolescente sob a responsabilidade de pessoa idônea (artigo 157, ECA).
O requerido deve ser citado para oferecer defesa no prazo de 10 dias, anexando documentos e indicando as provas que pretendem produzir, incluindo o rol de testemunhas. No despacho que ordenar a citação, será também determinada a realização de estudo social ou perícia por equipe interprofissional para constatar a presença de uma das causas de suspensão ou destituição do poder familiar (artigo 157, §1º, ECA).
Se os pais são provenientes de comunidades indígenas, além da equipe interprofissional, será necessária a participação de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista (artigo 157, §2º, ECA).
Não sendo o pedido contestado e tiver sido concluído o estudo social, a autoridade judiciária dará vista dos autos ao Ministério Público, por 5 dias, exceto quando ele for o requerente, devendo decidir em igual prazo (artigo 161, ECA).
É obrigatória a oitiva dos pais quando eles forem indentificados e estiverem em local conhecido, exceto quando, devidamente citados, não comparecem perante o juízo. Se o pai ou a mãe estiverem privados de liberdade, a sua apresentação deve ser requisitada.
Após a resposta do requerido, será designada audiência de instrução e julgamento e a decisão será proferida em audiência ou, excepcionalmente será designada data para sua leitura no prazo máximo de 5 dias. Se o requerente da ação for o Ministério Público, será dispensada a nomeação de curador especial para a criança ou adolescente.
A sentença que decretar a destituição do poder familiar será averbada à margem do registro de nascimento da criança ou adolescente (artigo 163, parágrafo único, ECA).
RECURSOS NO ECA
A disciplina recursal do ECA é bastante curta e determina a aplicação do sistema recursal do CPC para os procedimentos da Justiça da Infância e da Juventude, inclusive os relativos à execução de medidas socioeducativas. Portanto, na apuração de ato infracional, aplica-se subsidiariamente o CPP para regular o processo de conhecimento e o CPC quanto ao sistema recursal.
Preparo😮 ECA dispensa o recolhimento de preparo para interposição de quaisquer recursos, em sintonia com a garantia de acesso a justiça contida no artigo 141, §2º, que prevê a isenção de custas e emolumentos para as ações judiciais de competência da Justiça da Infância e da Juventude, ressalvada apenas a hipótese de litigância de má-fé.
Prazo: de 10 dias, para o Ministério Público e para defesa, em todos os recursos, ressalvado os embargos de declaração, que deverão ser opostos em 5 dias. O prazo é contado em dias corridos, excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o do vencimento, vedado o prazo em dobro para o Ministério Público.
Os recursos têm preferência de julgamento e dispensam revisor. Nos casos de de adoção e de destituição de poder familiar, os recursos têm prioridade absoluta.
Efeitos: para os recursos de agravo de instrumento e apelação o ECA confere expressamente efeito regressivo (juízo e retratação), antes da remessa dos autos à superior instância. Se mantida a decisão, os autos são remetidos automaticamente, em 24h, e se reformada, a remessa dependerá de pedido da parte interessada ou do Ministério Público no prazo de 5 dias.
Em regra, os recursos serão recebidos apenas no efeito devolutivo, podendo o juiz conferir efeito suspensivo para evitar dano irreparável à parte.
Exceções: o recurso de apelação deverá ser recebido com efeito devolutivo e suspensivo nos casos que tratar de adoção internacional ou se houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação ao adotando.
As decisões proferidas nas hipóteses do artigo 149 do ECA, em que compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará, serão impugnáveis por recurso de apelação.
CRIMES E INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS
Os crimes previstos no ECA, dispostos nos artigos 228 a 244-B, são de ação pública incondicionada, sendo processados pelas regras do CPP, aplicando-se as regras da prescrição constantes no artigo 111 do CP. O sujeito ativo desses crimes é apenas o maior de idade. Não confundir com ato infracional.
Já as infrações administrativas estão previstas nos artigos 245 a 258-C do ECA e decorrem do exercício do poder de polícia. A sanção aplicada para essas hipóteses é de multa e o valor arrecadado é revertido ao fundo gerido pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do respectivo município.
Para provas, é recomendada a leitura dos dispositivos legais mencionados, principalmente dos crimes dos artigos 240 a 241-E, cujo bem jurídico tutelado é a dignidade sexual.