A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O DIREITO ADMINISTRATIVO

1 – Considerações sobre a Organização Estatal

A origem do Estado e sua estruturação estão estreitamente ligadas ao desenvolvimento normativo do Direito e à forma como os seres humanos se associam em grupos. É inegável que o ser humano é uma criatura social e que a ideia de formar associações é parte da sua natureza. Muitas vezes, as necessidades e os objetivos individuais só podem ser alcançados com a ajuda de outras pessoas, o que pode ser uma razão para esse comportamento associativo.

Ao longo do tempo, as pessoas procuraram se agrupar em coletividades com objetivos variados, principalmente econômicos. Diante disso, o Direito passou a conceder personalidade jurídica a determinados grupos de indivíduos, permitindo que agissem e respondam por suas ações como entidades distintas das pessoas que os compõem. Assim, podemos dizer que as pessoas jurídicas são instituições que recebem personalidade jurídica pela ordem jurídica, o que lhes permite atuar como sujeitos de direitos e deveres.

Em relação à sua função e esfera de atuação, as pessoas jurídicas podem ser categorizadas como de direito privado ou de direito público (interno ou externo). De acordo com o nosso Código Civil, conforme o artigo 44, as pessoas jurídicas de direito privado incluem: a) associações; b) sociedades; c) fundações privadas; d) organizações religiosas; e) partidos políticos; e f) empresas individuais de responsabilidade limitada.

Por sua vez, conforme o artigo 41 do Código Civil, as pessoas jurídicas de direito público interno incluem: a) a União; b) os Estados Federados; c) o Distrito Federal; d) os territórios; e) os municípios; f) as autarquias (incluindo as associações públicas); e g) outras entidades de natureza pública, criadas por lei (por exemplo, fundações públicas). Já as pessoas jurídicas de direito público externo incluem os Estados estrangeiros e todas as entidades reguladas pelo direito internacional público, conforme o artigo 42 do Código Civil. Neste contexto, é fundamental compreender o conceito de Estado.

A definição de Estado é vista de diferentes perspectivas, dependendo do ponto de vista considerado. Do ponto de vista sociológico, o Estado é uma corporação territorial que possui um poder de comando originário (segundo Jellinek); em termos políticos, é uma comunidade de pessoas estabelecida em um território, com autoridade superior de ação, comando e coerção (de acordo com Malberg); na conceituação constitucional, é uma pessoa jurídica territorial soberana (segundo Biscaretti di Ruffia); e, conforme o Código Civil, é uma pessoa jurídica de Direito Público Interno.  

No nosso sistema federativo, todos os componentes da federação representam o Estado, atuando dentro das fronteiras de suas competências estabelecidas na Constituição. Desde a Constituição de 1891, quando o Brasil se tornou uma república, ele tem adotado o sistema da federação como forma de Estado, como expressamente previsto na Constituição Federal, nos artigos 1º e 18.

Com o avanço da sociedade, surgiu o conceito de Estado de Direito, no qual o Estado é responsável por criar leis, mas também é obrigado a seguir as mesmas. Esse conceito tornou-se fundamental no meio jurídico ocidental e é uma das bases da justiça.

Outro elemento que possa ser considerado mais importante do que os outros, pois todos são igualmente necessários para a existência e funcionamento do Estado. É através da união destes três elementos que se forma a pessoa jurídica territorial soberana, o Estado. O povo é o elemento humano que dá vida ao Estado, o território é o espaço físico em que ele se estabelece e o governo soberano é o elemento responsável por assegurar a ordem, a paz e a justiça no seu território. Em conjunto, esses três elementos são fundamentais para a existência e funcionamento do Estado.

O Estado sem soberania é uma entidade independente que não possui o poder absoluto e incontestável de governar seu povo e fazer cumprir suas decisões, incluindo o uso da força se necessário. Como uma pessoa jurídica, o Estado apresenta-se tanto nas relações internacionais quanto internamente, tendo a capacidade de adquirir direitos e contrair obrigações na ordem jurídica.

É possível distinguir duas formas de Estado pela ideia de organização política do território: o Estado unitário e o Estado federado (complexo ou composto). O Estado unitário é caracterizado por uma centralização política, com um único poder político central, exemplo disso é o Uruguai. Por outro lado, o Estado federado é marcado pela descentralização política, com a coexistência de diversos poderes políticos distintos.

A organização política do Brasil é baseada na forma federativa, estabelecida pela Constituição Federal. A nossa federação é formada pelas entidades políticas da União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, todas pessoas jurídicas de direito público interno. Isso significa que temos coexistência de poder político central (União), poderes regionais (Estados-membros) e poderes locais (municípios) em todo o território nacional. Além disso, o Distrito Federal é uma situação única, que possui poderes regionais e locais devido à sua natureza, de acordo com o art. 32, § 1º da Constituição Federal.

A relação entre os componentes da federação brasileira é baseada na coordenação, e não na subordinação. Cada entidade – União, Estados, DF e Municípios – tem autonomia para criar suas próprias leis e organizar sua política, administração e finanças, desde que respeite as diretrizes estabelecidas na Constituição Federal.

No entanto, na distribuição das competências legislativas, o constituinte incluiu algumas áreas que precisariam ser reguladas por leis nacionais, aprovadas pelo Congresso Nacional, que são obrigatórias para todos os entes da federação, não apenas para a União. Um exemplo disso é a Lei 8.666/1993, que estabelece padrões gerais para licitações e contratos na administração pública, baseada na competência legislativa prevista no artigo 22, inciso XXVII da Constituição Federal.

No Brasil, a forma federativa do Estado é uma característica inalterável, definida como “cláusula pétrea” na Constituição Federal. Embora o poder político emane do povo, ele é visto como um instrumento para atingir os objetivos do Estado em um sistema democrático de direito, cujo objetivo geral é atender ao interesse público. A autoridade do Estado é exercida através de seus órgãos, que desempenham três funções básicas: administração (execução), legislação e justiça.

O objetivo de se distribuir as funções estatais entre diferentes órgãos é para garantir o pleno desempenho dessas funções. Esses órgãos são agrupados em três poderes distintos conhecidos como Legislativo, Executivo e Judiciário, baseados na teoria de Montesquieu. Estes poderes são independentes uns dos outros, mas devem trabalhar de forma harmoniosa, e suas funções não podem ser delegadas uns aos outros, de acordo com o artigo 2º da Constituição Federal.

A relação entre os três poderes do Estado, na clássica tripartição de Montesquieu, é de independência e harmonia. Cada poder possui uma função específica, como a elaboração da lei pelo Poder Legislativo, a conversão da lei em ações concretas pelo Poder Executivo e a aplicação da lei aos litigantes pelo Poder Judiciário. Embora sejam imanentes e estruturais do Estado, nem sempre esses poderes atuam exclusivamente nas suas funções precípuas, já que há necessidades administrativas que precisam ser realizadas e, em circunstâncias excepcionais, é permitido que cada poder desempenhe funções de outro poder.

O que existe, na verdade, não é uma separação rigorosa dos Poderes com divisão absoluta de funções, mas, sim, uma distribuição das três funções estatais principais entre órgãos independentes, que funcionam de forma harmônica e coordenada, já que o poder estatal é unitário e indivisível. Vale destacar que nem os Poderes nem os órgãos que os compõem possuem personalidade jurídica. A personalidade jurídica pertence ao ente político, como a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, do qual os “Poderes” fazem parte.

Todos os entes federativos possuem os Poderes Executivo e Legislativo. Por outro lado, somente a União, os Estados e o Distrito Federal possuem o Poder Judiciário, não existindo o mesmo a nível municipal. A divisão de funções entre diferentes órgãos tem como objetivo principal garantir os direitos individuais, pois qualquer poder pode se tornar excessivo se não houver outro poder para controlá-lo. Além disso, também se busca a eficiência, pois a distribuição racional de responsabilidades e competências entre órgãos especializados garante uma melhor execução das tarefas atribuídas.

A separação clássica de Poderes, formada pelo Legislativo, Executivo e Judiciário, é fundamental para a proteção dos direitos individuais. O sistema de freios e contrapesos entre os poderes garante que as chances de abusos ou de um regime ditatorial sejam minimizadas. Desta forma, é possível compor o Estado de Poderes, no qual o poder geral e abstrato é dividido em segmentos estruturais. Esses segmentos internos, conhecidos como Poderes de Estado, são responsáveis por executar funções específicas. A ideia de equilíbrio entre os poderes foi proposta por Montesquieu em sua obra De l’esprit des Lois, publicada em 1748. O filósofo acreditava que nenhum poder deveria ser supremo em relação aos outros, evitando assim a concentração de poder em apenas uma instituição.

No Brasil, a separação dos poderes é garantida como cláusula pétrea, o que significa que não pode ser alterada por meio de emendas constitucionais. De acordo com a Constituição Federal do Brasil, artigo 60, § 4º, III, esta proteção garante que a separação de poderes seja preservada. No entanto, é importante destacar que as funções estatais não são completamente separadas. De acordo com a teoria dos freios e contrapesos, existem controles recíprocos entre os poderes, o que permite que eles sejam limitados e equilibrados.

Nessa estrutura de separação de poderes, o Legislativo tem o papel de criar leis, mas essas leis podem ser vetadas pelo Chefe do Executivo ou consideradas inconstitucionais pelo Poder Judiciário. Por sua vez, os atos do Executivo estão sujeitos ao controle tanto pelo Judiciário quanto, em algumas situações, pelo Legislativo, como quando ele precisa suspender contratos ou anular atos que excedem seu poder regulamentar (de acordo com a CRFB, arts. 71, § 1º, e 49, V). Além disso, o Presidente da República tem o poder de conceder perdão ou indulto, o que resulta na extinção da punibilidade de indivíduos condenados pelo Poder Judiciário.

A designação atribuída pela Constituição Federal facilita a identificação da função típica de cada Poder. O Poder Legislativo tem como função principal a legiferante, através da elaboração de leis que regulam as relações sociais. Já o Poder Judiciário tem a função jurisdicional, aplicando as normas para resolução de conflitos e garantindo a coisa julgada. Por fim, a função primordial do Poder Executivo é a administrativa, encarregada da gestão dos bens, serviços e interesses públicos. Embora cada Poder tenha sua função típica, também desempenham funções atípicas: o Executivo pode legislar por meio de medidas provisórias e julgar processos administrativos, o Legislativo julga o Presidente da República e administra seus bens, e o Judiciário legisla ao elaborar seus regimentos e administra seu pessoal.

Portanto, é importante destacar que a administração, apesar de ser uma função típica dos poderes também têm a responsabilidade de gerenciar bens, serviços e interesses confiados a eles. Assim, o direito administrativo, apesar de ser principalmente atuante no Executivo, também se aplica aos demais poderes quando estes exercem sua função administrativa.

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