3-O Governo e a Administração
As palavras Governo e Administração são frequentemente confundidas, embora signifiquem coisas diferentes. Na verdade, a função administrativa é vista como secundária, sendo aquela que não envolve a criação de leis nem a resolução de questões concretas. Em termos técnicos, a função administrativa é desempenhada pelo Estado ou por seus agentes, de acordo com a ordem constitucional e legal, sob o regime do direito público, com o objetivo de atingir os objetivos da ordem jurídica.
O objetivo de se distribuir as funções estatais entre diferentes órgãos é para garantir o pleno desempenho dessas funções. Esses órgãos são agrupados em três poderes distintos conhecidos como Legislativo, Executivo e Judiciário, baseados na teoria de Montesquieu. Estes poderes são independentes uns dos outros, mas devem trabalhar de forma harmoniosa, e suas funções não podem ser delegadas uns aos outros, de acordo com o artigo 2º da Constituição Federal.
Enquanto o foco da função legislativa é criar novas leis (ius novum) e a função judicial é resolver disputas, a função administrativa tem como objetivo gerenciar os interesses coletivos em suas muitas formas. Esse objetivo envolve a realização de várias ações e atividades para alcançar uma determinada meta, e frequentemente a Administração usa processos administrativos como um meio para executar a sua função.
Devido à ampla natureza das obrigações do Estado, alguns autores separam o governo e a administração, bem como a função administrativa e a função política. A função política não tem uma subordinação direta a regras jurídicas, ao contrário da função administrativa, que está sempre sujeita a leis superiores.
O governo é liderado pelos poderes Legislativo e Executivo, que trabalham juntos para criar políticas públicas e diretrizes que guiam a ação da Administração Pública. O Poder Judiciário não desempenha o papel de governo, mas tem o direito de controlá-lo se a constituição for desrespeitada.
O governo é uma atividade política e tem a tarefa de estabelecer as políticas públicas. A administração, por sua vez, tem a responsabilidade de implementar essas decisões políticas.
Ressalta-se, também, que o Governo (função política) é liderado por agentes que tomam decisões políticas de forma relativamente independente e discricionária, estabelecendo metas, objetivos e diretrizes que devem orientar a atividade administrativa, sempre baseadas na Constituição. A função do governo é caracterizada por ser uma atividade de comando, coordenação, planejamento e direção, dotada de soberania e apenas subordinada à Constituição. Já a Administração atua de forma técnica, neutra e geralmente vinculada à lei ou à norma técnica, sendo exercida em uma conduta hierarquizada, considerada uma atividade subalterna (de execução).
Resumindo, a melhoria da saúde pública é uma decisão política do Governo, tomada independentemente pelo Chefe do Executivo e pelo Órgão Legislativo. A Administração, por sua vez, tem uma abordagem politicamente neutra e é responsável por implementar essa política pública, realizando processos licitatórios, aquisições de equipamentos, concursos públicos e nomeações. Em geral, o Governo é visto como o “arquiteto do bem-estar social”, enquanto a Administração é vista como um meio para alcançar as políticas públicas formuladas pelo Governo.
3.1. Aspecto Objetivo
A segunda, a executiva, é responsável por colocar em prática as normas estabelecidas pela função legislativa, sendo esta a função da Administração Pública. Por fim, a função jurisdicional tem a tarefa de interpretar e aplicar as leis, sendo exercida pelo Poder Judiciário. É importante destacar que essas três funções estatais estão inter-relacionadas e, juntas, compõem o poder estatal uno. A diferenciação entre a Administração Pública e o Governo se dá pela natureza de suas atividades, sendo que a Administração tem caráter técnico e executivo, enquanto o Governo é político e tem como função formular as políticas públicas.
Duas outras funções aplicam as leis a situações específicas: a função jurisdicional, que resolve conflitos de interesses e, se necessário, impõe a lei de forma coletiva; e a função executiva, que realiza ações concretas para alcançar os objetivos do Estado e atender às necessidades da sociedade. Vários critérios foram identificados para diferenciar as três funções do Estado.
Ao examinar o assunto sob a perspectiva estritamente jurídica, é possível identificar que nas três funções do Estado existe a emissão de atos que produzem mudanças na situação jurídica anterior, mas com algumas diferenciações:
I – A função legislativa é o ato de produção jurídica principal, pois se baseia diretamente no poder soberano do Estado e é o seu exercício direto e primário. Através da lei, o Estado regula as relações, mantendo-se acima e separado delas.
II – A função jurisdicional é a emissão de atos de produção jurídica secundários, relacionados aos atos principais. Neste caso, também o órgão estatal se mantém acima e separado das relações que os próprios atos tratam.
III – A função executiva é a emissão de atos de produção jurídica complementares, aplicando concretamente o ato abstrato e primário contido na lei. Neste papel, o órgão estatal age como parte das relações que os atos abrangem, similar ao que ocorre nas relações de direito privado. No entanto, ao se tratar de Administração Pública, o órgão estatal tem o poder de influenciar, por meio de decisões unilaterais, a esfera de interesses de terceiros, o que não acontece com particulares. É por isso que a Administração tem posição de superioridade nas relações em que é parte.
É possível acrescentar a seguinte distinção entre as duas últimas funções do Estado: a) a função jurisdicional é acionada somente quando as partes não cumprem a lei de forma espontânea e age mediante provocação da parte interessada, tornando-a uma função subsidiária; b) a administração age independentemente de qualquer provocação para garantir que a vontade contida na lei seja cumprida e que os objetivos do Estado sejam alcançados.
Contudo, percebe-se que a função de produzir atos complementares do direito não é limitada apenas à atividade administrativa de concretizar os interesses coletivos. Ela também inclui a função política ou de governo, que é uma atividade de nível superior que se refere à direção geral e suprema do Estado como um todo e em sua unidade. Essa função tem como objetivo estabelecer os objetivos da ação do Estado, estabelecer as diretrizes para as outras funções e garantir a unidade da soberania estatal.
Em resumo, a função política engloba as atividades legislativas e de liderança, enquanto a função administrativa abrange o serviço público, a intervenção, o incentivo e a polícia. Não há uma separação clara entre os dois tipos de funções. Do ponto de vista do conteúdo, não há diferenças, pois ambas envolvem a aplicação concreta da lei. No entanto, algumas características parecem estar presentes na função política: inclui responsabilidades decorrentes diretamente da Constituição e regulamentadas por ela; e mais relacionadas à sociedade, à nação, do que a interesses individuais.
Costuma-se afirmar que os atos realizados durante o exercício da função política não são suscetíveis de avaliação pelo Poder Judiciário. Anteriormente, as Constituições de 1934 e 1937 determinavam que questões estritamente políticas não poderiam ser examinadas pelo Poder Judiciário. Embora as Constituições posteriores tenham ficado em silêncio sobre este assunto, a proibição persiste, desde que questões que dizem respeito à polis e não afetam direitos subjetivos sejam consideradas questões exclusivamente políticas. No entanto, se houver lesão aos direitos individuais ou aos interesses coletivos protegidos por ação popular ou ação civil pública, o ato do governo será passível de avaliação pelo Poder Judiciário.
Exemplos de atos políticos incluem a convocação extraordinária do Congresso Nacional, a formação de comissões parlamentares de investigação, a nomeação de ministros de Estado, relações com países estrangeiros, declaração de guerra e paz, permissão para forças estrangeiras transitarem pelo território nacional, declaração de estado de emergência ou situação, e intervenção federal em Estados. Além disso, atos decisórios que estabelecem metas, diretrizes ou planos governamentais também são considerados políticos e são implementados pela Administração Pública (estritamente) no desempenho da função administrativa.
3.2. Aspecto Subjetivo
De acordo com a Constituição Federal, existem três Poderes da União: Legislativo, Executivo e Judiciário, que são independentes e funcionam de forma harmônica entre si. No entanto, cada um dos Poderes é predominantemente responsável por uma das três funções básicas, garantindo um sistema de equilíbrio através de interferências. Além de suas principais funções de legislar e julgar, respectivamente, o Legislativo e o Judiciário também exercem algumas funções administrativas, como o poder hierárquico e disciplinar sobre seus funcionários.
Igualmente, o Executivo tem participação na função legislativa, iniciando projetos de lei, vetando projetos aprovados pelo Legislativo, adotando medidas provisórias com força de lei de acordo com o artigo 62 da Constituição, ou elaborando leis delegadas seguindo o artigo 68. Além disso, o Legislativo também tem papel judicante, como no caso de julgar o Presidente da República, Ministros de Estado, e Comandantes das forças armadas por crimes de responsabilidade. E, ainda, no processo e julgamento de Ministros do STF, membros do Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público, Procurador Geral da República e Advogado Geral da União por crimes de responsabilidade, de acordo com o inciso I e II do artigo 52 da Constituição Federal.
A evolução do Governo tem sido estudada e mostrada como, em seu significado original, o termo se referia ao conjunto das funções do Estado, incluindo tanto a jurisdição quanto a legislação, com esta última sendo posterior a primeira. Em suas formações mais antigas, o Governo não era responsável pela criação de leis, sendo estas geradas a partir dos costumes da sociedade. O governante, neste caso, limitava-se a solucionar conflitos, agindo como árbitro na aplicação de normas sociais pré-estabelecidas. Foi apenas em épocas mais recentes que surgiram líderes que exerciam a função de legisladores, como Licurgo, Sólon, Hammurabi e Moisés, que codificaram ou apresentaram as leis tradicionais como mandamentos divinos.
A atuação administrativa incluía a cobrança e utilização de impostos, aproveitamento de recursos humanos e materiais, realização de projetos e serviços que são importantes para a defesa da sociedade contra ameaças internas e externas. Todas essas ações são parte dos objetivos fundamentais do Estado e influenciam a sua estruturação.
Por muito tempo, a administração era vista como parte integrante da função governamental, sem ter sua própria identidade. O termo “governo” originalmente abrangia todas as funções do Estado, incluindo justiça e legislação. No entanto, com o tempo, essas funções foram se separando da administração. Atualmente, o termo “administração” é usado para se referir às atividades do Poder Executivo, enquanto o termo “governo” é usado para se referir ao Poder Público ou Jurídico como um todo. O Estado é formado pelos elementos formais do governo, pelo território e pelo povo, que é o componente social.
É evidente que o Poder Executivo exerce uma influência dominante nas decisões políticas, mas não há exclusividade nesse exercício. No caso do Brasil, com um sistema presidencialista e uma concentração de poderes no Presidente da República, é compreensível que o Governo seja associado ao Poder Executivo. Quando se considera a função política como a que estabelece as grandes orientações, dirige, comanda e elabora os planos de governo em diversas áreas, é possível verificar que o Poder Executivo continua, de acordo com a atual Constituição, a exercer a maioria das atribuições políticas, embora muitas delas estejam sujeitas à aprovação prévia ou posterior do Congresso Nacional, aumentando assim a participação legislativa nas decisões do Governo.
Portanto, é possível afirmar que as atribuições políticas são compartilhadas entre o Executivo e o Legislativo, com uma clara predominância do Executivo. Em comparação com os Estados Unidos, onde o Poder Judiciário desempenha um papel importante nessa área, no Brasil sua atuação é principalmente limitada à função jurisdicional, sem grande poder de influência nas decisões políticas do Governo, exceto pelo papel de controle.
3.3. Formas de governo
A ideia de formas de governo se refere à estrutura institucional por meio da qual um Estado organiza sua gestão de poder sobre a sociedade. Essas instituições têm como objetivo estabelecer regras para a disputa e o uso do poder político, incluindo a relação entre as autoridades e os membros da sociedade.
Existem duas formas clássicas de governo: monarquia e república. A república é uma forma de governo em que os representantes do povo são elegíveis, os mandatos dos governantes são temporários e há o dever de prestar contas. Por outro lado, a monarquia se baseia na chefia de Estado ser ocupada por um monarca, com a transmissão do poder se dando de forma hereditária e vitalícia, sem o dever de prestar contas. Atualmente, o Brasil adota a forma de governo república.
3.4. Sistema de governo
No sistema presidencialista, o Presidente é o líder tanto da nação como do governo, exercendo o poder executivo. Este possui um mandato fixo e não precisa da confiança do Legislativo para permanecer no cargo. Já os membros do Poder Legislativo são eleitos por mandatos definidos e o legislativo não pode ser dissolvido. Esse tipo de sistema de governo se diferencia do parlamentarismo, no qual há uma maior interdependência entre os Poderes Executivo e Legislativo.
No sistema parlamentarista, as funções de liderança do Poder Executivo são divididas entre a Chefia de Estado, que pode ser exercida pelo Monarca ou pelo Presidente, e a Chefia de Governo, que pode ser desempenhada pelo Primeiro-Ministro ou pelo Presidente do Conselho de Ministros. Em geral, o Primeiro-Ministro é indicado ou nomeado pelo Chefe de Estado, mas sua posse definitiva e sua continuidade no cargo dependem da confiança do Parlamento (órgão legislativo). Se o Parlamento perder confiança no governo, ele cairá e será formado um novo governo, já que sua posse é baseada na confiança e não por tempo certo. Por outro lado, se o governo considerar que o parlamento não tem mais a confiança da população, ele pode dissolvê-lo, convocando eleições extraordinárias para formação de um novo parlamento que possa apoiá-lo.